A “aldeia global” criada pelo filósofo canadiano McLuhan para definir a universalidade do que ocorre num determinado local, através da televisão, é hoje um conceito popular devido aos efeitos da globalização.
Longe vão os tempos das dolorosas partidas de familiares e amigos para terras do fim do mundo, donde nunca mais se voltava, ou das fugas de salto, em noite escura, para as baleeiras norte-americanas. Tantos jovens emigrados, tantos amores desfeitos pela necessidade de encontrar mais pão e melhor futuro em terras de lá !
Não fora a reabertura da emigração, na sequência da erupção do vulcão dos Capelinhos, em 1957-1958 e, um pouco antes, a corrente emigratória para o Canadá, e as gentes destas ilhas não teriam resistido à adversidade e à fome que grassava, impiedosamente, no arquipélago.
Famílias inteiras debandaram daqui, nos anos 60, não só para fugir à guerra colonial, mas, sobretudo, porque sentiam na carne que, na ilha, o horizonte era fechado.
Os que ficámos vimos sair, para nunca mais, colegas de escola, vizinhos, familiares, milhares e milhares de açorianos de todas as ilhas, residindo em cidades, vilas e aldeias.
Os continentais, emigrados de salto para a Europa central, não perderam a ligação à terra e, apesar de clandestinos, encontraram nos países de acolhimento, uma aceitação respeitosa pelo direito à emigração.
Situação bem diferente viveram os açorianos, sujeitos às longas distâncias pelo mar e à exigência de carta de chamada e exames médicos rigorosos, sem os quais não obteriam.
Durante largos anos, o afastamento entre a América e os Açores, impediu-nos de acompanhar as lutas e sucessos dessa gente, pois as fotografias e as cartas, normalmente chorosas, não relatavam toda a verdade e o crescimento das famílias. Há, portanto, uma zona escura na história mútua que, nas duas margens “do rio atlântico” foi difícil de acompanhar, durante dezenas de anos.
Esse relacionamento só foi reatado para visitantes, quando o nosso país atingiu um patamar superior. Todavia, pese embora as relações económicas com os norte americanos, não se abriu qualquer excepção a trabalhadores açorianos e suas famílias que ali pretendessem trabalhar. É a lei do mais forte, imposta também por Portugal aos cidadãos africanos oriundos dos países lusófonos. A crise, porém, inverteu a situação e agora há cidadãos nacionais a serem repatriados por Angola e Moçambique, por não disporem das autorizações requeridas.
Triste sina a deste povo repartido pelas quatro partidas do mundo, senhor de colónias e feitor de fazendas, navegador e marinheiro, explorador de minas, trabalhador empenhado dos campos, da indústria, do comércio, da ciência, da cultura e da expansão da fé.
Tentando encontrar o melhor para suas vidas, cerca de 44 mil portugueses deixaram o país em 2010 e 2011, 85% dos quais são jovens entre os 25 e 29 anos, gente de formação superior que vai enriquecer os países de destino. Nada que conteste as regras da emigração que escolhe os mais capazes, enquanto o país sangra com a saída dos mais promissores.
Subjacente à emigração alarmante de jovens há a convicção de que o país não tem futuro, e instala-se o desânimo na descoberta de alternativas à crise económica por que passa Portugal, governado por dirigentes que, sem qualquer pudor e vergonha, apontam o caminho da emigração.
Muitos desempregados e sem condições para satisfazerem compromissos financeiros, optam por emigrar “a salto” e à sorte, sem conhecerem o que os espera no país de destino. Não recusam qualquer trabalho, na convicção de que melhor tarefa surgirá um dia.
Os emigrantes são os novos escravos do século XXI.
Nos últimos anos viveram um certo desafogo económico, mas de um momento para o outro, viram-se expoliados de bens e direitos considerados intocáveis e passam fome e miséria.
“Antes do direito a emigrar, há que reafirmar o direito a não emigrar, isto é, a ter condições para permanecer na própria terra”, afirmou Bento XVI, na mensagem sobre o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Esta parece-me ser a visão mais consentânea com os direitos de cidadania.
Exigir e reclamar dos governantes eleitos resposta satisfatória às necessidades do povo e da nação, é um direito de que não devemos abdicar.
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